A ASTRONOMIA RECONHECERÁ OS MÉRITOS DO SACERDOTE BELGA? – Andrea Bartelloni
Padre Lemaitre ao lado de Einstein
A Assembléia Geral de Astrônomos pretende fazer justiça ao padre belga George Lemaitre, equiparando-o a Edwin Hubble por suas descobertas, e homenagear a sua “integridade e modéstia intelectual”, recomendando que, a partir de agora, a lei sobre a expansão do universo seja chamada “Hubble-Lemaitre”. Lemaitre era um sacerdote que acreditava que a ciência e a fé não eram coisas separadas.
Em Viena, está ocorrendo a 30ª Assembléia Geral da IAU, a União Astronômica Internacional, que terminará no dia 30 de agosto [de 2018]. Como em outras ocasiões, a Assembléia Geral terá que votar cinco resoluções preparadas pelo Comitê organizado. Entre essas, a quinta (Resolução B4), diz respeito à possibilidade de renomear a Lei de Hubble, “uma das pedras angulares da astronomia dos últimos cem anos e pilar fundamental da cosmologia moderna”.
Renomeá-la de que modo? Somando-se ao nome de Edwin Hubblle o de George Lemaitre, sacerdote belga, um “cientista de batina” que, em 1927, publicou em francês um artigo intitulado: “Un Univers homogène de masse constante et de rayon croissant rendant compte de la vitesse radiale des nébuleuses extra-galactiques” [“Um Universo homogêneo de massa constante e de raio crescente responsável pela velocidade radial de nebulosas extra-galácticas”], onde, de forma inédita, demonstrava a expansão do universo. Mas a revista na qual seus dados foram publicados não era particularmente difundida, e a língua francesa não chamava a atenção da comunidade dos cosmólogos.
Em 1928, Hubble e Lemaitre se encontraram durante a 3ª Assembléia Geral da IAU e tiveram a oportunidade de confrontar os seus respectivos estudos. Em 1931, Hubble publicou seus estudos sobre a expansão do universo, conhecidos como “Lei de Hubble.” Nesse mesmo ano, Lemaitre traduziu ao inglês o seu trabalho, a convite de um outro grande cientista, o inglês Arthur Eddington, seu professor, omitindo voluntariamente a parte relacionada com a expansão do universo, talvez por não considerá-la mais importante após a publicação de dados de Hubble.
A Assembleia Geral, portanto, quer fazer justiça a George Lemaitre, equiparando-o a Edwin Hubble por suas descobertas e, ao mesmo tempo, prestar homenagem à sua “integridade intelectual e modéstia”, recomendando que, a partir de agora, a lei da expansão do universo seja chamada Lei Hubble-Lamaitre. Um reconhecimento importante que, esperamos, a comunidade científica poderá aprovar, o que faria justiça a anos de esquecimento, embora a comunidade internacional já reconheça as qualidades de cientista do padre belga: em 2014, foi dado o seu nome, ao lado do de Einstein, Amaldi, Verne e Kepler, a um ATV – Automated Transfer Vehicle (Veículo de Transferência Automatizado), nave não tripulada lançada pela Agência Espacial Europeia.
Edward George Lemaitre nasceu em Charleroi, Bélgica, em 17 de julho de 1894. Matriculou-se no curso de engenharia e, depois de participar da Primeira Guerra Mundial, passa à faculdade de matemática. Após a formatura, ele entrou para o seminário e foi ordenado sacerdote em 22 de setembro de 1923. Nesse meio tempo, ele já havia publicado seu primeiro trabalho sobre a física de Einstein e toma forma a sua primeira idéia acerca do “átomo primitivo” que teria dado origem ao que será chamado big bang, e do qual o padre belga pode ser reconhecido como o pai. Einstein, que apreciava o trabalho de Lemaitre, não concordava com a ideia do “átomo primitivo”, pois, enquanto mais aficcionado à concepção de um universo eterno e estático, via ali a idéia da criação do universo.
Lemaitre é tambem um homem de fé convicto de que a ciência e a fé são distintos, mas não separados. De fato, costumava dizer: “Eu me interessava pela verdade do ponto de vista da Salvação, assim como pela verdade do ponto de vista da certeza científica. Havia dois caminhos que levavam à verdade. Eu decidi percorrer os dois.” Esperamos que os matemáticos reunidos em Viena devolvam ao sacerdote belga o que ele realmente merece por suas descobertas.
Nota de Opus Matris Dei (de 31 de agosto). A quinta resolução (Resolução B4) mencionada no início do artigo, que diz respeito à possibilidade de renomear a Lei de Hubble como Lei de Hubble-Lemaitre, foi aceita ontem (30 de agosto, data do encerramento da assembléia). Mas a Assembléia Geral decidiu que ela será, além disso, votada eletronicamente por todos os membros da IAU no quarto trimestre de 2018, para assegurar (segundo nota do site da IAU) “uma participação mais ampla na decisão”.
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