A Igreja Católica: Construtora das Universidades
O ensino
A universidade fundada pela igreja no séc XII era uma realidade completamente nova: uma instituição dedicada ao ensino superior. Esta invenção cristã era muito diferente das academias chinesas que treinavam os mandarins ou das escolas zen. As novas universidades não se dedicavam exclusivamente ao conhecimento do passado. Pelo contrário, como acontece ainda hoje, os seus professores ganhavam fama por suas inovações. Os professores universitários medievais dedicaram-se a descoberta do conhecimento. Não repetiram apenas o conhecimento dos gregos; criticaram e corrigiram os antigos.
As duas primeiras universidades foram fundadas em Bolonha e Paris, respectivamente em meados do século XII. As universidades de Cambridge e Oxford foram fundadas cerca de 1200, seguidas por uma onda de novas instituições no séc. XIII: Toulouse, Orleans, Nápoles, Salamanca, Sevilha, Lisboa, Grenoble, Pádua, Roma, Perúgia, Pisa, Modena, Florença, praga, Cracóvia, Viena, Heidelberg, Colónia, Ofen, Erfurt, Leipzig e Rostock. Há o preconceito de que não se tratavam de verdadeiras universidades, tendo apenas três ou quatro professores e algumas dezenas de alunos, na realidade, em meados do século XIII, Paris, Bolonha, Oxford e Toulouse tinham entre mil e mil quinhentos alunos cada universidade, e quinhentos novos alunos entravam anualmente para a universidade de Paris. Quanto a qualidade, foi nestas mesmas universidades que nasceu a ciência. Recorde-se que eram instituições intensamente cristãs: todos os professores eram ordenados pela igreja, e foi de onde se constituíram os primeiros cientistas famosos.
Um “Rio de Ciência”
Este tipo de rigor filosófico caracterizou a vida intelectual das primeiras universidades. Não é de estranhar que os papas e outros homens da Igreja situassem as universidades entre as grandes jóias da civilização cristã. Era comum ouvir descrever as Universidades de Paris como a “nova Atenas” – uma designação que evoca as ambições de Alcuíno quando, vários séculos antes, no período carolíngio, se propunha estabelecer uma nova Atenas no reino dos francos. O papa Inocêncio IV (1243-1254) descreveu as universidades como “rios de ciência cuja água fertiliza o solo da Igreja universal”, e o papa Alexandre IV (1254-1261) chamou-as “lâmpadas que iluminam a casa de Deus”. E é ao apoio dado pelos papas que se devem o crescimento e o êxito do sistema universitário. “Graças a essas intervenções pontifícias – escreve o historiador Henri Daniel-Rops-, o ensino superior foi capaz de expandir-se. A igreja foi sem dúvida a matriz de onde saiu a Universidade, o ninho de onde ela levantou vôo”.
É um fato comprovado que uma das mais importantes contribuições medievais para a ciência moderna foi a liberdade de pesquisa no mundo universitário, onde os acadêmicos podiam debater e discutir as proposições apoiadas na certeza da utilidade da razão humana. Contrariamente ao retrato grosseiramente inexato que se tem feito da Idade Média, a vida intelectual medieval prestou contribuições indispensáveis à civilização ocidental. “Os mestres da Idade Média – concluiu David Lindberg em The Beginning ir Westem Science (1992) – criaram uma ampla tradição intelectual, sem a qual o subsequente progresso na filosofia natural teria sido inconcebível”.
Christopher Dawson, um dos grandes historiadores do século XX, observou que, desde os tempos das primeiras universidades, “os mais altos estudos eram dominados pela técnica da discussão lógica: a questio e o debate público, que tão amplamente determinaram a forma da filosofia medieval, sobretudo nos seus principais expoentes. <<Nada pode ser perfeitamente conhecido – disse Roberto de Sorbonne – se não tiver sido mastigado pelos dentes do debate, e a tendência a submeter todas as questões, da mais óbvia à mais abstrusa, a esse processo de mastigação não só estimulava a perspicácia e a exatidão do pensamento como, acima de tudo, desenvolvida o espírito crítico e a dúvida metódica a que a cultura e a ciência ocidental tanto devem>>”.
O historiador da ciência Edward Grant concorda com esse juízo:
“O que foi que tornou possível a civilização ocidental desenvolver a ciência e as ciências sociais de um modo que nenhuma outra civilização havia conseguido até então? Estou convencido de que a resposta está no penetrante e profundamente arraigado espírito de pesquisa que teve início na Idade Média como consequência natural da ênfase posta na razão. Com exceção das verdades reveladas, a razão era entronizada nas universidades medievais como árbitro decisivo para a maior parte dos debates e controvérsias intelectuais. Os estudantes, imersos em um ambiente universitário, consideravam muito natural empregar a razão para pesquisar as áreas do conhecimento que não haviam sido exploradas anteriormente, assim como discutir possibilidades que antes não haviam sido consideradas seriamente”.
A criação da Universidade, o compromisso com a razão e com a argumentação racional e o abrangente espírito de pesquisa que caracterizou a vida intelectual medieval representam “um dom da Idade Média latina ao mundo moderno […], ainda que nunca se venha a reconhecê-lo. Talvez esse dom conserve para sempre a condição de segredo mais bem guardado que a civilização ocidental teve durante os quatro séculos passados”. Foi um dom da civilização cujo centro era a Igreja Católica.
Referência bibliográfica: Thomas Woods e Rodney Stark
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