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A IGREJA, O NATAL E A PERDA DA RETA RAZÃO – Stefano Fontana


[Na Igreja, hoje, não há apenas a incerteza sobre questões doutrinais, mas também um uso cada vez menor da razão. A filosofia contemporânea, que levou a considerar-se o cristianismo e o Natal como meras superestruturas sociais, está se disseminando entre os próprios pastores].

Há um aspecto, na Igreja de hoje, bastante inquietador: não apenas a incerteza em torno a questões doutrinais — o que, certamente, não é coisa de pouca importância —, mas também o uso cada vez menor do uso da razão. A crise atual é uma crise de fé, mas, ao mesmo tempo, muitos homens da Igreja parecem competir entre si no desrespeito às regras da razão, e nem se interessam mais por levar os fiéis a conhecê-las.

Isso parece evidente até nas pequenas coisas, que são sempre as mais indicativas das mudanças em curso. Aceitam-se disposições sanitárias ilógicas e sem sentido. Um bispo americano proíbe ilicitamente aos fiéis de receber a comunhão na boca, e o Vaticano o defende, mesmo sabendo muito bem o que diz a regra. Bispos concedem a possibilidade de confissões e absolvições coletivas, sem que haja necessidade. Um presépio absurdo é montado na Praça de São Pedro [ilustração acima]. Bispos argentinos se dizem “emocionados” com a vitória de Biden (que é desastrosa para o futuro). Conferências episcopais inteiras defendem a ideologia da vacina e convidam à vacinação com o produto Pfizer, como um ato de amor ao próximo. Alguns bispos foram até mesmo fotografados com uma agulha espetada no antebraço. A Igreja está perdendo o uso da razão?

No entanto, a razão foi a base da crítica ao próprio cristianismo. Basta ver como Georg Wilhelm Friedrich Hegel fala do Natal, em sua Vida de Jesus, de 1795: “A razão pura, que não tolera nenhum limite, é a própria divindade”. Cristo adquiriu mérito “para o aperfeiçoamento das máximas corrompidas dos homens, para o conhecimento da autêntica vida moral e da iluminada adoração a Deus. O lugar onde nasceu foi a aldeia de Belém, na Judéia; seus pais foram José e Maria, o primeiro dos quais fazia sua linhagem descender da estirpe de Davi… Nada se sabe sobre sua educação, exceto que ele logo mostrou sinais de uma inteligência incomum e que se interessou por assuntos religiosos”.

O Natal cristão é reduzido a conteúdos de razão, aos quais teriam sido superpostas histórias míticas, de modo que o resultado fosse um “produto teológico artificial”, como diria Bruno Bauer mais tarde. Na descrição que Hegel faz do Natal, adorar Jesus significa adorar as luzes da razão, visto que Ele não passaria de um homem, filho de José e Maria, de inteligência não comum e interessado em assuntos religiosos. Nada mais. O Natal, com seus contos de anjos e pastores, se restringe a veicular significados úteis para a vida dos homens. Também para Kant, no opúsculo A religião nos limites da razão, de 1793, o conteúdo da religião era apenas racional: uma série de bons princípios de uma moral meramente humana.

Depois de Hegel, gradualmente, esse declive provocou posteriores efeitos no Natal. Para Strauss, que em 1835 escreveu, como Hegel, uma Vida de Jesus, o cristianismo é uma doutrina ética humanística de inspiração religiosa; o cristianismo se aperfeiçoa no humanismo e Homem-Deus é a Humanidade. Para Feuerbach, Deus nada mais é do que a essência humana “contemplada e venerada”, e, para Bakunin, Jesus nos convida a “desesperar filosoficamente do Céu para esperar historicamente da Terra”. Enfim, com Marx, a crítica torna-se “libertação total da religião”: se a religião é um conto mítico, uma fábula que se sobrepõe a um conteúdo humano, por que esse núcleo se circunda de uma carapaça que lhe é estranha? Compreendê-lo significa haver compreendido a origem da religião e, assim, descobrir o segredo para torná-la impossível. Marx tem em mira uma vida em que a religião se torne não essencial, porque sua base terrena não teria mais motivos para construir, sobre si mesma, um mundo diferente daquele terreno.

A razão que critica o Cristianismo, nas formas que acabamos de ver, é uma razão ateísta, não mais naturalmente orientada para Deus, mas que já fez a escolha de não querer e de não poder dizer nada sobre Deus. A única coisa que está ao alcance desta razão é trazer à luz, sob o invólucro do mito, os fundamentos unicamente humanos e materiais do Natal. E, infelizmente, isso também está influenciando a Igreja. Segundo muitas homilias, nos dias que correm, parece que o Natal só serve para nos dar serenidade, segurança e conforto durante a pandemia; e para nos fazer tolerar melhor as restrições governamentais. Só bons princípios morais, portanto; um novo humanismo; um serviço à natureza humana universal.

Por esse motivo, torna-se urgente ver no Natal um anúncio capaz de renovar também a razão, e não somente a fé. O Menino Jesus é o Salvador tanto da fé como da razão, porque a razão também precisa ser salva do ateísmo filosófico.

É por isso que ficamos desapontados quando a hierarquia da Igreja não nos ensina mais a usar a razão. A crítica filosófica à religião é conduzida por uma razão ateísta, que o Natal do Menino Jesus deseja converter. Quem, em frente à Gruta de Belém, se converte pela fé, converte também a própria razão.

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