A FRAGILIDADE DO HOMEM MODERNO
Depois da primeira guerra mundial, em 1918, houve uma pandemia que dizem ter matado, no mínimo, 50 milhões de pessoas por todo o mundo; era a “gripe espanhola”, que não escolhia faixa etária para contagiar. Levava pessoas com comorbidade ou não, infectando indiscriminadamente qualquer tipo de ser humano. Mas o mundo não parou por causa da espanhola, sobretudo porque havia um mundo a restaurar, depois da terrível guerra que tinha acabado de envolver boa parte da Europa.
Em 1969, houve uma gripe, mais conhecida como “gripe de Hong Kong”, ou ainda “gripe espacial”, que não fez tanto estrago como a espanhola, porém matou mais de um milhão de pessoas pelo mundo todo. (Só na Itália, perto de vinte mil pessoas perderam as vidas num único ano, e a mídia italiana noticiava o acontecimento como algo mais ou menos administrável). Diferentemente do que ocorreu no último ano, com a chegada da peste chinesa, o mundo não se escondeu em casa com medo do vírus, empregos não foram ameaçados, a vida seguiu mais ou menos normal.
Mas o que aconteceu com o mundo? O que aconteceu com as pessoas?
De lá para cá, nos últimos cinquenta anos, nosso velho mundo mudou muito: a par de um progresso tecnológico nunca visto antes, os casais deixaram de fazer filhos e, salvaguardados pelos anticoncepcionais, transformaram o sexo na principal fonte de diversão da espécie humana. Rivalizando com os prazeres da cama, só mesmo as seduções do consumismo: famílias menores tinham mais dinheiro para gastar com bobagens.
Várias décadas antes, o filósofo espanhol Ortega y Gasset já tinha percebido as graves consequências humanas e culturais que eram provocadas pela sociedade de bem-estar, chamando a atenção, especialmente, para os filhos mimados da modernidade, liberados repentinamente para o conforto e o prazer, na virada do século XIX para o século XX, com a chegada da eletricidade, dos eletrodomésticos, o progresso do saneamento básico nas cidades, o desenvolvimento da indústria farmacêutica etc.
Com o advento desse admirável mundo novo, cujo cenário principal eram as grandes cidades, ia lentamente desaparecendo o deplorável mundo antigo, predominantemente rural ou aldeão, construído por quase dois milênios de civilização cristã.
Junto com o mundo antigo, desaparecia, no entanto, um tipo de pessoa mais afeita, desde a infância, às dificuldades da vida dura no campo ou nas pequenas cidades. Era o homem da roça, ou a ele bem vizinho, que conhecia o nome das plantas e das árvores, lidava com a terra e os bichos, experimentava na pele os vaivéns da natureza e das estações.
Foi esse homem que, há cem anos, pôde suportar a “gripe espanhola” com armas que quase não possuímos mais, sobretudo fortaleza e paciência, além da fé em Deus e da esperança em outra vida, muito além dos vírus e das doenças deste mundo de aquém-túmulo.
Comentários